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Holocausto brasileiro: história real de abusos e crueldade

Em meio a retomada de uma discussão muito polêmica na saúde brasileira, que é a reforma psiquiátrica, vamos conhecer um dos casos mais assustadores que se tem notícia no Brasil.

Para entender melhor porque alguns pontos da reforma psiquiátrica geram tanta polêmica, e divide opiniões quanto aos métodos aplicados em tratamento, precisamos voltar ao passado e tentar compreender, pois é muito difícil imaginar o que se passou no local.

Hospital colônia, o Holocausto Brasileiro

Criado em 1903 pelo governo do estado mineiro, o Hospital Colônia nasceu com o intuito de oferecer “assistência aos alienados de Minas”, que antes eram atendidos nos porões da Santa Casa, e repassados a capacidade de 200 leitos, porém com o aumento da demanda de casos desse tipo, atendia em 1961 em torno de 5 mil pacientes.

Durante o período de ditadura militar houve a maior concentração de pessoas que foram coibidas pela forte repressão que havia aos modos de vida e hábitos inapropriados pelas forças que comandavam setores da sociedade brasileira.

A medida que acontece o conceito de redemocratização e o início da participação popular com as garantias das liberdades individuais, no final dos anos 80, foi adotado o modo de tratamento por residência terapêutica.

Hoje como Centro Psiquiátrico de Barbacena, atende os cerca de 170 pacientes restantes, no qual deverá encerrar as suas atividades e se tornar um memorial de toda a trajetória do hospital.

Internos hospital colônia

Cerca de 70% das pessoas que eram internadas no Hospital Colônia de Barbacena, sequer possuíam alguma doença mental e foram conduzidos à força pura e simplesmente por características que não estivessem de acordo com o padrão de vida normal, considerado “inadequado” aos costumes, como epiléticos, viciados em bebida alcoólica ou drogas, homossexuais, prostitutas, pessoas que incomodavam poderosos, meninas violentadas por patrões, esposas que eram largadas pelos maridos infiéis, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres perdidos e sem documentos que eram encaminhados, pessoas tímidas, e as crianças.

Todas essas que não se encaixaram numa sociedade fundamentalista que predominava na época, eram escorraçados do meio social e abandonados no obscurantismo de caráter predatório do hospital de Barbacena, onde lá seus funcionários jogavam essas pessoas a força para que fossem cortados os cabelos, e carecas, perdiam sua identidade e ganhavam novos nomes e vestidos com as roupas características do local.

Abusos e crueldade hospital colônia

A rotina de maus tratos consternava quem ali se encontrava numa situação deplorável de sobrevivência em ambientes mal cuidados, espaços superlotados e insuficientes de abrigar uma quantidade de pessoas, além dos funcionários que covardemente agrediam e largavam os internados em condições precárias de higiene.

Os internados do Hospital Colônia de Barbacena eram torturados de todas as formas possíveis. Seja ela, a tortura física, moral ou psicológica:

  • Constantemente agredidos fisicamente, tanto pelo contato do funcionário agressor ao paciente com espancamentos e violações, quanto por recursos de brutalidade, como os eletrochoques ou por humilhações em força-los a beber água de esgoto, urina humana ou de animal e dormirem sobre o capim, nus ou com apenas alguns trapos que mal cobrissem o corpo, por isso não suportavam tanta violência praticada e acabavam morrendo dessas formas.
  • Internados em completa situação de degradação ao se deparar com um local que mostrava em sua fachada, ser de reabilitação das capacidades mentais e reabilitação para o convivo em sociedade, tornara um âmbito de maldades em que eles foram e não voltaram vivos de lá.

Foram registradas mais de 60 mil mortes, é considerado o maior genocídio brasileiro de forma silenciosa, uma vez que demorou tanto tempo para que as autoridades pudessem fazer algo que repreendesse tais atitudes.

Desrespeito com a morte

– Os crimes continuavam até no pós-morte de pacientes, já que os corpos eram decompostos em ácidos no pátio do hospital até serem cadáveres comercializados para estudo em universidades.

Punições e responsabilizações hospital colônia

Apesar de toda a crueldade, brutalidade, desrespeito com vidas humanas em que se matava não apenas por uma vez, mas sim duas vezes, com o desrespeito aos internados e as suas famílias, mas também a sociedade por ultrapassar todos os limites aceitáveis de um senso de humanidade.

Se hoje talvez, com a facilidade em disseminar informações, poderíamos achar e apontar representantes que tutelaram verdadeiras aniquilações. Desde aquela época, não foram responsabilizados absolutamente nenhum dirigente, nenhum político e nenhuma instituição idônea que pudesse fazer uma inspeção num local impróprio, sem as menores condições de atendimento e recepção de pacientes.

O sentimento de impunidade ainda é uma lacuna a ser preenchida para quem vivenciou tudo aquilo e ainda se recorda das cenas chocantes de um verdadeiro massacre, e de quem se se sensibiliza ao acompanhar de maneira estarrecedora o flagelo da vida humana em condições de deterioração.

Reflexão

Se antes tratado com normalidade por quem teve o sangue frio de conivência a tudo o que aconteceu no Hospital Colônia de Barbacena, o Holocausto brasileiro, em que mesmo a tantas denúncias de jornais daquele tempo, a comoção nacional em torno das atrocidades cometidas a história deverá ser revisitada quantas vezes for preciso para fins de conscientização e humanização do tratamento psiquiátrico.

É um caso marcado em milhares de famílias brasileiras que jamais deverá ser esquecido e deverá ser contado de todas as maneiras possíveis para que toda a barbárie relatada não ocorra novamente e se manter firme o combate a essas práticas desumanas e torturadoras.

Antes da expansão dos meios de comunicação, as denuncias de abuso desse tipo não impactavam tanto para o andamento de investigações, isso quando aconteciam. Na época, o fotógrafo Luiz Alfredo do jornal O Cruzeiro e o psiquiatra italiano Franciso Basaglia levaram a público suas indignações quanto ao modos operante do hospital psiquiátrico.

Em 1996 foi inaugurado o Museu da Loucura pelo Doutor Jairo Toledo, no local que abriga registros do antigo hospital, e em 2008 lançou o livro “Colônia” que conta mais sobre o que acontecia no hospital.

Já em 2013, a jornalista Daniela Arbex lançou o seu livro, Holocausto Brasileiro, em que conta todo o descaso e abandono dos internados em Barbacena.  O livro-reportagem é um best-seller premiado em que aborda os relatos de quem esteve no local e viveu na pele o clima de terror que pairou no século passado com os atos praticados dentro do hospital. A partir do livro, a jornalista levou o caso as telas com o documentário homônimo lançado em 2016, em parceria com o diretor Armando Mendz.

A luta anti-manicomial mobiliza pessoas que lidam com saúde mental e são contrárias a volta de locais como o Hospital Colônia de Barbacena. As redes sociais impulsionaram discussões e movimentos a cerca do tema.